terça-feira, 26 de agosto de 2014

Te espero

Aceito sua ausência. Ela é sentida diariamente. É encontrada em cada olhar perdido meu. É percebida por qualquer um que esteja um pouco mais atento. Mas não há dor, ou ressentimento. Há fé. Há esperança. Sua procura é tão longa e angustiante quanto a minha. Eu entendo. E aceito. Porque além de vontade de te ver de novo, há certeza de que esse momento tem seu próprio tempo. Sinto saudade. Saudade porque eu sei que há de ser um reencontro. E sei que você também sente essa distância rasa, estreita, próxima... Você sabe que se estendermos as mãos, poderemos tocar um ao outro. Caminhamos lado a lado. Posso sentir seu cheiro, o calor da sua respiração no meu cabelo, num abraço longo e consolador. O timbre da sua voz é familiar, é melodioso, é um pouco meu também. Se prestar bem atenção, consigo ouvir o som das teclas enquanto você digita seu relatório para a empresa. E você também ouve o som das minhas teclas, e sabe que escrevo para você. Sabe as músicas que vou ouvir enquanto te escrevo, e procura suas cifras para me acompanhar. Sabe ainda que será meu companheiro quando for visitar a torre Eiffel. E que vai tirar aquela foto clássica, já que é você que conhece meu melhor ângulo, e liberta meu sorriso mais gostoso, minha risada mais sonora. Sabe também que a minha afinação voltou, só porque você está perto o suficiente para aquecer tudo, até minhas cordas vocais. Sabe que aquele pijama macio espera por você dentro da gaveta. Sabe que se há brilho nos meus olhos é porque eu sei que vou ver você ajeitando os óculos para me ver procurar feito louca minha caneca preferida, que você escondeu de propósito. E ver você tirando os óculos quando eu chegar perto e te pedir um beijo. E você vai sentir minha pele gelada quando percebo que vou ganhar um pouco mais que isso... Essas certezas nos acompanham. São elas que tornam essa espera menos sofrida. E essa saudade só não dói porque de algum jeito, misterioso e óbvio, estamos juntos nessa espera, certos de que falta muito pouco...

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Lá estava o menino. Ele estava ali, sentado no cantinho, tentando acertar quantas joaninhas pousaram na parede. Ele não queria ouvir. Eram gritos muito altos. Aquele som o acompanhava fazia tempo, e ele só queria um pouco de silêncio. Um silêncio em que coubesse sua voz de menino, seus medos de menino. “Por que falam tão alto?”, pergunta o menino para si mesmo. E uma voz generosa responde dentro daquele coraçãozinho: “É que eles estão distantes demais para ouvirem um ao outro.” Um pouco espantado, e encucado, o menino questiona: “Longe? Como longe? Eles estão pertinho, lá na sala de TV!”. E a voz paciente esclarece: “Seus corações, meu menino, esses sim estão muito longe. É preciso gritar para ser ouvido”. Sem saber muito bem como, o menino entende exatamente o que aquela voz quis dizer, e tudo faz mais sentido agora. Inquieto, ele olha em volta, passa os olhos devagar pelos espaços, como quem procura. Se abaixa diante da porta do quarto do irmão mais velho, e dá uma olhadela por debaixo da porta. “João tá de brincadeira comigo, só pode!”, ele se convence. “Não é o João, meu menino”, se manifesta a voz dentro dos seus ouvidos. “Sou Eu. Seu melhor amigo. Fique sossegado. Eu estou aqui”. “Meu melhor amigo? O Pedrinho tá na casa da vó dele!” Então a voz mansa sorri levemente, e ajuda: “Eu ouvi sua oração enquanto contava as joaninhas na parede. Eu te ouço todas as noites. Sei que as brigas te amedrontam, e que você pensa que seus choros não são ouvidos por ninguém. Mas eu te ouço, criança. Eu te sigo por onde vai, recolho suas lágrimas, alivio suas dores, escuto suas preces...”. “Escuta mesmo? Duvido! Escuta nada! Eles ainda brigam todos os dias e parece que só piora! E eu fico aqui, sozinho!” E mais uma lágrima desce daqueles olhinhos sofridos. “Oh meu menino... há tanto para entender... e você é apenas uma criança. Eu quero abrir os olhos do seu pai. Quero mesmo. Quero fazê-lo entender que a bebida faz mal demais a ele, e que o trabalho enobrece. Sua mãe também chora quando você está dormindo, e me pede força. O que ela não entende é que eu só posso agir através dela mesma. Ela precisa agarrar a força que eu ofereço e tirar vocês daqui até que seu pai melhore. Mas ela também tem muitos medos. Você entende?”. Os olhos do menino estão arregalados. Como aquela voz pode saber tanto sobre ele, seus pais, suas lutas? Como ele sabe que seus dias são chorosos, e que sua família está por um fio? A luz acende. É sua mãe. Ela se abaixa, olha para seu menino. Seus olhos estão marejados. Mas há tanta ternura neles... Ela veio dizer que o jantar está pronto. “Vem almoçar, meu amor! A mamãe fez sobremesa!”